quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Circuito automóvel Moçâmedes 1973

Moçamedes, Angola, início de 1973: VII Circuito Automobilístico "Festas do Mar" uma forte participação da "metrópole", tanto na corrida como nos banhos...

Em 1973, por ocasião das festas da cidade, realizou-se a sétima edição do "Circuito Automobilístico Festas do Mar" e, para tal, para lá dos habituais participantes das corridas angolanas, foram convidados três dos melhores pilotos "da Metrópole": Ernesto Neves, Américo Nunes (que era o campeão em título) e Carlos Santos. Para a corrida dos Grupos 2, 3, 4 e 5, estes pilotos alinharam com os seus habituais carros do CNV português, ou seja, o Porsche 906 de Nunes, o Aurora Porsche de Santos e o Lotus 62 de Neves, onde encontraram o Ford GT 40 do local Emílio Marta e uma série de carros de grupo 2 habituais das provas angolanas.

O melhor tempo dos treinos foi obviamente para o Lotus de Ernesto Neves, seguido do Aurora de Santos, do 906 de Nunes e do GT40 de Marta. O circuito tinha um traçado pouco comum, com muita areia à volta e passando por áreas residenciais, mas também pela zona das docas e assustadoramente perto do mar. Além disso, o piso deixava algo a desejar, pois para além das irregularidades provocadas por remendos no alcatrão, cruzava com o ramal ferroviário do CF de Moçâmedes que servia a zona portuária. Dada a partida, os dois Porsche adiantaram-se um pouco, mas logo Ernesto Neves tratou de impor o Lotus 62 aos seus rivais metropolitanos e daí em diante não mais perderia o comando. Carlos Santos mantinha o Aurora Porsche (o seu antigo 906 psicadélico, transformado pelo Mestre Eduardo Santos) no segundo posto e Emílio Marta conseguia ultrapassar o Carrera 6 de Nunes e ocupar a terceira posição da geral durante algum tempo. Para resistir aos assaltos do Carrera 6, Marta usou todos os expedientes possíveis e Nunes optou por usar uma condução igualmente agressiva de modo a libertar-se do GT 40, com um "chega para lá" que fez Marta levantar o pé e desistir de continuar a obstruir a passagem. Entretanto, Hélder de Sousa, com o Opel Manta Steinmetz, tinha passado o Capri de Santos Peras e vinha no 5º posto, atrás dos sport-protótipos. Este último, com o Capri 2600 RS quase de série, rodava perto dos limites de modo a não perder muito terreno para os da frente, nomeadamente para o carro amarelo do piloto-jornalista. Mas em breve o Opel Steinmetz viria a despistar-se e a deixar o espectacular Capri de novo na 5ªa posição.

Isolado no comando, Ernesto Neves teve o seu momento de apuro quando se apercebeu que o extintor estava a perder neve carbónica para dentro do habitáculo do Lotus, obrigando o piloto a partir com o punho o vidro do seu lado de modo a arejar convenientemente o carro. Já perto do final da corrida, Carlos Santos viria à box com uma fuga de gasolina num carburador, perdendo a segunda posição para o Porsche de Nunes. Três voltas depois, novo regresso à box e novamente a perda de mais um lugar, desta feita para o GT40 de Marta. No final, Ernesto Neves venceria e, antes da volta de honra, seria obrigado a mergulhar (vestido) nas convidativas águas da baía de Moçâmedes (note-se que se tratava das "Festas do Mar"). Podia ser pior: a água estava excelente e entre os muitos admiradores que o acompanharam no banho estava a conhecida Riquita, uma ex-Miss Portugal. Depois do banho, viria finalmente a volta de honra, o champanhe e os aplausos.

O regresso à metrópole também teve algumas histórias: Neves veio sem carro, porque o vendeu aos irmãos Fraga, importadores angolanos da Lotus. Américo Nunes também lá deixaria o seu belo Carrera 6, cedido a Herculano Areias. Quando Artur Ferreira, o reporter da (então revista) Motor encarregue de entrevistar os pilotos nacionais à chegada a Lisboa, foi ao aeroporto esperar pelos concorrentes, encontrou apenas Ernesto Neves e Carlos Santos. Como ele escreveria posteriormente na reportagem da revista, "Américo Nunes resolvera quedar-se pelas areias do Namibe, "preso" a alguma Welwitchia Mirabilis*..."

* A Welwitchia Mirabilis é uma flor originária do deserto da Namíbia e de Moçâmedes, cuja principal característica é sobreviver no clima extremamente seco do deserto devido ás suas raízes serem extremamente longas e profundas (cerca de 50m) .

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A grelha de partida, com os pilotos "da metrópole" a monopolizarem a primeira linha. Américo Nunes já está dentro do seu Porsche Carrera 6 e ao lado está o Aurora Porsche de Carlos Santos e o Lotus 62 de Ernesto Neves que tinha realizado o melhor tempo dos treinos. Atrás, vê-se o Alfa Romeo GTAm de Mabílio de Albuquerque (viria a desistir com um pneu furado) e encoberto pela multidão, o Ford GT 40 de Emílio Marta. Ao fundo, vê-se distintamente o Opel Manta 1900 Steinmetz de Hélder de Sousa.

Detalhe do Lotus 62 de Ernesto Neves, pouco antes da partida. (foto: colecção Helder de Sousa)
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Os primeiros momentos da corrida. Na imagem, podemos ver o Lotus 62 vencedor de Ernesto Neves, o Aurora Porsche 2000 de Carlos Santos, o Porsche 906 de Américo Nunes, o Ford GT 40 de Emílio Marta, o Capri RS de Santos Pêras e, por fim, o Opel Manta Steinmetz de Helder de Sousa e um Ford Capri, de um concorrente que não identificamos. Como é visível na imagem, as condições de segurança eram pouco menos do que precárias. Mas era uma semana muito divertida, porque a corrida estava englobada nas Festas do Mar, onde ia tudo a banhos. Pouco mais de dois anos depois desta imagem, o Império tinha terminado e Angola era uma República Popular da esfera de influência soviética. O conturbado processo de independência levou a que alguns dos protótipos e GT's que constituíam o forte parque desportivo local, fossem perdidos para sempre.
http://scgt.com.sapo.pt/Mocamedes_73_SPeras.JPG
Santos Peras andou sempre assim com o Capri RS 2600, a caminho do 5º lugar da geral. Note-se a envolvente do circuito, com as bermas em areia, os pneus "de protecção" e, atrás da ambulância Land Rover, o mar, demasiado perto e perigoso para este tipo de actividade desportiva.
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O Lotus 62, pintado de preto e amarelo, a caminho de mais uma claro triunfo, logo na primeira prova de Ernesto Neves em Angola
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Ernesto Neves e Américo Nunes (nesta altura com bigode) no pódio.


Classificação final

1º Ernesto Neves - Lotus 62
2º Américo Nunes - Porsche 906
3º Emílio Marta - Ford GT 40
4º Carlos Santos - Aurora Porsche
5º Santos Pêras -Ford Capri 2600 RS
6º Manuel Carneiro - Cooper S
etc.

Terminaram 9 dos 13 concorrentes que alinharam à partida
VMR: Ernesto Neves
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Texto de Ricardo Grilo, realizado a partir de reportagens da revista Motor, Flama e de apontamentos próprios. Fotos: Revista Motor, colecção RG
sportscar_portugal@hotmail.com
in http://scgt.com.sapo.pt/mocamedes_73.htm



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